A droga de uma secretária

Meu maior medo da infância era não saber fazer nada quando fosse adulta.

Não prestar para nada.
Era aterradora a sensação!
Eu tinha certeza que era imprestável, porque era uma criança gorda, desastrada, desengonçada, péssima em matemática, lenta...uma aluna mediana, média 7.
Ia muito bem em trabalhos, em elaborar pesquisas, fazer cartazes, fazer apresentações orais, ler livros, fazer boas fichas de leitura, interpretação de texto.
Era obediente, participativa, caprichosa, organizada e esforçada.. mas era uma aluna mediana 7 e pobre.

Meu começo de vida adulta foi uma bosta
Empregos ruins, exploração, maus tratos
Uma das minhas patroas era uma senhora de 1m40 e ela me abusava psicologicamente, me mandava calar a  boca na frente das pessoas, me beliscava, me dava empurrões até puxou minhas orelhas uma vez e qnd eu disse que não iria mais trabalhar com ela, bem, ela foi até uma das minhas professoras mais queridas do ensino médio e mentiu!

Disse que eu era agressiva e etarista, que eu dizia palavrões e a tinha ofendido, justo ela "uma pobre senhora na meia idade"! 

Tão teatral, dramática e falsa ela.

Pra minha tristeza a professora acreditou, mesmo tendo me conhecido e convivido comigo, sabendo da minha índole, ela acreditou!

Depois fui trabalhar em um lugar onde minhas colegas de trabalho me ameaçavam com surra qnd eu me sobresaia e alguns representantes me assediavam sexualmente, me encurralavam no estoque e tentavam me agarrar...eu tinha 18 anos e eles 60...era nojento!
Nessa época eu fiquei muito doente  desenvolvi crises de ansiedade, mal comia, pesava 45kg, passava mal o tempo todo, desmaiava frequentemente, tinha dores fortíssimas de estômago, vivia a ponto de vomitar...o médico que me atendeu na época entendeu tudo e mandou que eu saisse do meu trabalho e ficasse em casa por no mínimo 6 meses.

Ahhh mas as pessoas não me deixavam em paz!!

Todas queriam que eu fosse trabalhar.  Era impraticável que eu ficasse em casa... Aos 18, sem trabalhar? Absurdo! Todo mundo tinha um "ótimo trabalho pra me indicar".
Eu me sentia coagida, acuada então eu sedia porque ne..o que eles iam pensar de mim? O que iam falar de mim? Que eu era preguiçosa, vadia, boa vida...que queria  vida fácil, que não gostava de trabalhar..

Então mesmo estando doente eu fui trabalhar.
Era um escritório de direito do trabalho e eu seria a secretária. Atenderia o telefone, repassaria a informação sobre andamento processual e faria as tarefas que os advogados me pedissem.
Naquela época eu queria voltar a estudar, porque eu só era boa nisso, mas eu precisava de um trabalho para poder pagar pelos estudos e precisava de carteira assinada.
O trabalho não era ruim e eu tinha convencido uma das advogadas que eu precisava da carteira assinada, mas o socio dela acabou com tudo algum tempo depois..disse que minha carteira tinha que ser desassinada, que o aumento que ela ia me dar  não aconteceria e as 2 passagens que eu recebia por dia seriam diminuidas pra 1.
Então eu sai, não dava pra ser daquele jeito.

Fiquei 1 ano e 4 meses desempregada.
Ja não tinha mais nenhuma esperança, porque não via nenhuma saída, mas agora me sinto muito pior.

No final de junho daquele ano eu estava em casa ajudando a preparar o almoço e esperando pra assistir um jogo da copa do mundo na Alemanha.
Qnd meu pai chegou e me avisou que o presidente de uma entidade sindical queria que após o jogo eu fosse até la fazer uma entrevista, porque ele soube que eu tinha trabalhado pra 2 advogados e o advogado deles precisava de uma secretária ( na vdd o cargo era de auxiliar jurídico).
Fui la e ele trouxe um processo fisico e me perguntou quais eram as peças iniciais, pra que serviam e se eu sabia identifica-las...obviamente eu soube fazer isso e naquele dia fui contratada.
Eu tava tão acostumada a ser violentada, mal tratada de todas as formas que eu pensei "bem, tenho emprego e terei algum dinheiro pra comprar alguma coisa por 3 meses..depois...vou pro próximo", e tmbm pensei que era só eu passar dispercebida e ficar na minha que nada de tão ruim aconteceria, ninguém notaria minha presença.

Eu entrava muda e saia calada.. ficava quietinha no meu canto.

Eles faziam grandes cafés da manhã e me convidavam e eu agradecia e dizia que tava ocupava...ai esperava todo mundo sair da sala para poder ir la e pegar um café discretamente e poder tomar na segurança e paz da minha sala.
Eu morria de medo das pessoas!!!

Fazia meu trabalho de cabeça baixa.

Arrumava a bagunça da minha antecessora e os dias foram passando e eu fui aprendendo mais sobre o trabalho.
Tanto que me senti realmente confiante e comecei a interagir com as pessoas 2 anos depois.
Mais alguns anos depois eu pensei "bem, to com 24 anos, não posso ser secretária pra sempre. Preciso organizar minha vida e ter algum futuro! Eu gosto de direito e sei fazer o trabalho...porque não??!"

E fui estudar e qnt mais o tempo passava mais confiante eu ficava.
E o ambiente no geral era bom, as pessoas eram na sua maioria educadas.
Elas diziam que eu era realmente boa naquilo. Que eu tinha futuro!!
Eu acreditei fortemente em tudo isso.
De verdade!!

Em 2020 por varios motivos eu perdi meu trabalho...la no fundo eu sempre soube que aquele ambiente eu não teria em nenhum outro lugar, que eu não conseguiria trabalhar depois dali..e um dos motivos era o preconceito porque ter trabalhado por 13 anos em um sindicato...por todo esse tempo eu fingi que isso não ia acontecer e me convenci que ficaria ali..mas para o fim a minha confiança era tanta que eu pensava "quem não vai querer contratar alguem com 14 anos de experiência?? Quem tem essa experiência toda?"
Logo que sai na primeira entrevista ouvi "porque alguem que não tem dinheiro pra pagar faculdade está cursando uma? Teus pais deveriam se envergonhar porque te deixam nessa situação! O mínimo que os pais devem fazer é pagar a graduação dos filhos!"

Como se todos nós vivessemos num mundo perfeito de pessoas ricas!

A cada entrevista eu desanimava e sempre dava um tempo pra fazer outra, porque eu tava vendo que não daria certo, me sentia exausta, derrotada e com as mãos amarradas.
Mais algum tempo e me graduei. Era uma sensação estranha; primeiro muita felicidade e logo em seguida uma sensação de vazio: as coisas iam de mal a pior.

Numa das minhas últimas tentativas em um escritório fui tremendamente humilhada por uma superior.
Ela fez questão de me pressionar ao extremo em 1 único dia..dizia pra mim pedir ajuda aos colegas e secretamente avisava todos  pra não me ajudarem em hipótese nenhuma. Não me repassou nenhuma regra da empresa e assim eu cometia erros sem saber e ela me chamava atenção como se eu fosse uma criança desobediente de 3 anos.
Por fim, me chamou de inútil na frente de todo mundo porque eu não sabia fazer uma atividade que o dono do escritório disse que não era pra mim fazer.
Depois me levou pra sala dela e fez questão de deixar claro que os próximos dias seriam piores, porque aquela pressão e cobranças iriam aumentar.

Eu ja sentia a minha ansiedade gritar dentro de mim!!
Sai...

Estudei por 3 meses e meio, todos os dias, pra prova da ordem e não passei..meu desempenho foi péssimo.
As coisas estão me sufocando...
Alguns colegas agem como se estivessem nadando em dinheiro outros extremamente competentes conversam comigo e estão muito desapontados e desesperançosos como eu. A maioria pensa em trabalhar com qualquer outra coisa, porque não podemos nos sustentar com a formação que temos!

Recebo anúncios e propostas de emprego com salários piores do que qnd vendia sapatos!
Agora qualquer vaga tem que ser conquistada com uma prova prática de direito!!
Tem que fazer uma prova de prática processual para talvez conseguir uma vaga medíocre, num ambiente insalubre e trabalho mal remunerado???
Isso e a OAB foram feitos para separarem os melhores dos piores?
Você não tem opção nem de tentar, nem sequer de aprender coisas novas, porque se você não passou na prova prática, então você não serve e você está acabado.

Pra poder sobreviver no mundo do direito tem que estar sempre fazendo alguma pós, ou mestrado, ou doutorado e isso envolve muito dinheiro, muito tempo, muito esforço, muito suor, muito abandono.

Fico lembrando das vezes que algum professor me fez um elogio na graduação e tenho certeza que eu inventei isso, sonhei...mas eu lembro. Só que as pessoas  em volta me fazem duvidar de mim.
Estou com medo de trabalhar, to com medo de ir nas entrevistas, de ter que trabalhar em um escritório.

Tô há 2 anos e quase 5 meses desempregada, mal saio de casa e qnd saio me sinto perdida, deslocada, alienígena.

Ouvi durante a graduação de um professor(a) arrogante que eu parecia "uma droga de secretária"..o tom era extremamente depreciativo...

Daqui uns dias é meu aniversário e não sinto felicidade nenhuma...afinal o que vou comemorar? A falta de esperança? Que não tenho 1 real no bolso? Me sinto muito triste!

É.. eu acho que sou só isso...apenas uma droga de secretária com um papel sem valor nenhum, que muitos dizem se chamar de diploma, mas que no final das contas não serve pra nada.

 Ia emoldura ele, mas pra que? Tenho vontade de rasgar em pedaços e queimar!

Nem parece que eu batalhei e estudei muito pra isso..afinal eu sou só uma droga de secretária que todo mundo adora humilhar e enxer de pancada.
Eu não sirvo pra nada!

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